VISIGODOS, FRANCOS E O DUCADO DE BASKONIA

Baskischer Bauer mit seiner Wehr/ Baskischer Kiegsmann. Kristoph Weiditz (1530) Nüremberger Museum.


OS VISIGODOS E OS FRANCOS:


Na época imediatamente anterior à queda do Império Romano, surge um vazio de poder em Roma e uma crescente ofensiva dos povos "bárbaros" germânicos contra o Império. No ano 409 d.C., os alanos, vândalos e suevos penetram na península Ibérica através dos Pirineus. Em 418 os visigodos se estabelecem na Aquitania. A seguir, em 476 ocorre a derrocada final do Império Romano do Ocidente. Em 481, os visigodos ocupam Pamplona e outras cidades bascas e da província Tarraconense. Nas cidades bascas, quem detêm o  poder político são os vasco-romanos relativamente romanizados.


A expansão franca na Europa Ocidental teve início no ano 486, quando caíram as últimas possessões romanas na Gália, com a derrota de Clodovil por Siagrio, em Soissons. No ano 506, os francos moveram campanhas contra os alamanos, sendo estes derrotados em Tolbiac. Em 507, os francos derrotaram aos visigodos em Vouillé, dando fim ao Reino Visigodo de Tolouse, e limitando a presença dos visigodos à península Ibérica. Em 531, conquistaram o reino dos turíngios e em 534 submeteram o Reino dos burgúndios. Como consequência destes triunfos militares, nasceu, pelas mãos de Clotário I, o "Regnum Francorum", ou Reino dos Francos, que se entendia desde o Canal da Mancha até o rio Danúbio e desde o Saale até, teoricamente, os Pirineus. Teoricamente porque Aquitânia e Baskonia constituíam sempre para os francos e visigodos, um autêntico quebra-cabeças que nem o próprio Carlomagno, que possuía o exército mais poderoso da época, pode solucionar a seu gosto.

As relações dos bascos com os visigodos e os francos não foram boas e as guerras se sucederam ininterruptamente durante três séculos. Foram frequentes as tentativas frustradas de cada um dos reis visigodos de submeter aos bascos, apesar desta incapacidade de conquistar a Baskonia, houveram inúmeras referências dos cronistas germânicos à suposta submissão dos bascos por parte de diversos reis visigodos, o que sugere que, na realidade, nunca puderam submeter-los. Entre outras referências, por exemplo, a que faz alusão ao rei suevo Requiario (448-456), que aliado com os visigodos ataca Baskonia: "Vasconias depraedatur" ("Devasta Baskonia); No reinado do visigodo Suintila (621-631): "Vascones devicit" ("Derrotou aos bascos), ou no reinado de Wamba (672-680) no qual a Baskonia apoia com tropas à rebelião do visigodo Paulo na Septimania visigoda (região antiga da Galia que compreendia a Catalunya Norte e territórios mais ao norte) e o exército basco aproveita a situação para conquistar territórios visigodos na Cantábria: "prius feroces Vascones in finibus Cantabrie perdomuit" ("...primeiro submetemos aos ferozes bascos, nos confins da Cantábria").

Surpreende, visto desde a perspectiva territorial reduzida dos vascos nos dias atuais, a incapacidade secular dos visigodos de conquistar a Baskonia. Se há de levar em consideração que naquela época, os "vascones", que era como se chamavam os bascos nesta época, se estendiam por toda a zona pirenaica até Andorra ("terra coberta de arbustos" no idioma basco) e ao norte até o rio Garona (França Central), ou seja, os bascos abarcavam nove vezes mais territórios do que nos dias atuais; e além disso, possuíam um exército numeroso e bem preparado militarmente, sendo seu principal inimigo os francos. Contudo, quando os árabes invadiram a península (711), encontrando-se o rei visigodo Rodrigo lutando novamente contra os vascones, havia fortificações vasconas no río Loire (perto de París, extremo norte da França) para defender os territórios da aliança vasco-aquitana contra as contínuas incursões francas, incursões que, décadas depois, seriam comandadas pelo franco Carlomagno e acabariam arrasando o Ducado da Baskonia, vingando, desta maneira, a morte de seu sobrinho Rolando na célebre batalha de Roncesvalles (Navarra), na qual o exército basco derrotou ao exército de Carlomagno.



Como campanhas e expedições mais importantes dos reis visigodos e francos contra os vascones desde o século VI até a invasão árabe da península, podemos destacar:



CRONOLOGIA DOS CONFLITOS ENTRE BASCOS E FRANCOS
541 A.D.: Expedição franca de Childeberto e Clotário.
580 A.D.: Campanha visigoda de Leovegildo. Derrota do dux dos francos, Bladastes, nas mãos dos vascones.
590 : Campanha visigoda de Rekaredo.
602 : Expedição franca de Teodoberto II da Austrásia e Teodorico II da Borgonha. Impõem aos bascos o dux Genial.
610-12 : Campanha visigoda de Gundemaro.
621 : Campanha visigoda de Suintila.
626 : Sublevação basca contra o dux Aighina, sucessor de Genial.
635 : Grande expedição franca de Dagoberto. Vitória parcial dos bascones contra o dux franco Arimberto.
642 : Campanha visigoda de Chindasvinto.
653 : Rebelião do visigodo Froya contra Chindasvinto com apoio das hostes bascas. O exército vascon ataca Zaragoza, saqueando-a e fazendo um grande número de prisioneiros.
671 : Revolta basco-aquitana contra o poder franco.
672 : Expedição franca de castigo aos vascones, organizada por Clotário III, o Merovíngio.
Rebelião de Paulo, contra o visigodo Wamba, na provincia da Septimana. O exército basco apoia Paulo.
711 : Campanha de Rodrigo contra os vascones que serviu com oportunidade para a invasão árabe da Península Ibérica.


Até épocas recentes, os "vascones" (nome com o qual foram denominadas todas as tribos bascas a partir do Período Romano Tardio) eram considerados como um povo selvagem e primitivo sem nenhuma organização interna. Os achados arqueológicos nas necrópoles de Aldaieta (perto de Gasteiz, Álava) e Buzaga (Elortz, Navarra) estão ajudando a modificar o panorama do estudo da História Basca do Século VI ao VIII. Asim como a revisão dos achados da mesma época guardados em Pamplona. Nos móveis encontrados nestas necrópoles encontramos armamento abundante que difiere totalmente dos visigodos ou hispano-visigodos que não possuem armamento algum. Assim como a utilização de um tipo de armamento (machados de combate, lanças, espadas, punhais...) que até agora somente se podia encontrar na Aquitânia. A cerâmica, bronze e vasos de vidro, cubos de madeira feitos com um estilo que, mais uma vez, somente se haviam encontrado em uma das zonas mais romanizadas da Europa Ocidental, a Aquitânia.


Os achados arqueológicos desta época, portanto, não tem nada a ver com a imagem rude, primitiva e selvagem que foi pintada dos povos vascones deste período. Assim que, os sítios arqueológicos vascones diferem totalmente dos visigodos ou hispano-visigodos e se assemelham aos aquitanos. Estas necrópoles demonstram que com o declínio do Império Romano e a posterior invasão das tribos germânicas, em ambos os lados dos Pirineus, entre os bascos e aquitanos se começa a criar um poder político novo, continuador da forma de vida romana, o que acaba por recrudescer as tensões entre estes e os germânicos, o que fica evidente nas crônicas que chegaram até nós, de autoria dos invasores francos (merovíngios). Um novo poder vasco-aquitano que constituiu este último bastião da Europa Ocidental que defende a permanência das instituições e do modus vivendi romano frente as invasões germanas, enfrentando, ao norte, os invasores francos, e ao sul, os invasores visigodos, e que foi capaz de desenvolver uma rede de núcleos defensivos estáveis, com um armamento eficaz e renovável periodicamente, o que permitiu que se sustentasse uma luta constante durante três séculos.



O DUCADO DE BASKONIA:


Com o declínio do Império Romano na segunda metade do século III d.C., teve início um processo de aproximação entre as diversas tribos bascas, com maior intercomunicação entre as distintas terras de fala euskara e com uma forte autonomia política em relação à administração imperial. Essa autonomia e coesão da população basca se reafirmou com o começo das invasões germânicas a partir do ano 400. Época em que os bascos, sob a liderança dos navarros, se unem para defender as instituições e o modo de vida romano frente ao que consideravam bárbaros germanos. De maneira que, se o enfraquecimento do poder romano havia permitido o aumento da coesão interna basca, a chegada dos visigodos aconteceu já diante de uma comunidade basca bastante compacta e economicamente expansiva.

O fato de que nas crônicas romanas se fale de diferentes tribos bascas e que nas crônicas franco-visigodas se passe a falar somente de "vascones" como um todo, nos indica que esta tribo cujo núcleo original se encontrava em Navarra, foi a que liderou as demais, assimilando-as em seu seio. Este processo de unificação deu lugar ao surgimento do Euskara comum (uniformização dos dialetos do Euskara falados por cada uma das tribos bascas em um único idioma) e à extensão definitiva do termo Euskal Herria, com o qual todos os vascos denominaram a sua terra, assim como da palavra Euskaldun (o basco, aquele que fala o Euskara) com a qual se autodenominarão.



Na batalha de Vouillé, em 507, os visigodos foram derrotados pelos francos, e a consequência inevitável foi a perda da Aquitânia e da Novempopulania até a barreira dos Pirineus. Se tradicionalmente se situa a data da expansão basca na Aquitânia em 587, os assentamentos vascones provavelmente se deram anteriormente, aproveitando o vazio de poder gerado pelo escasso controle da Aquitânia que tinham os francos. 



Não podemos falar de uma conquista basca destas terras e sim de uma redistribuição pacífica da população basca nas terras do outro lado dos Pirineus que culturalmente eram afins, algo que ficou demonstrado pelos achados arqueológicos em Aldaieta e Buzaga. Uma redistribuição da população basca causada pelas incursões visigodas ao sul das terras bascas.

Este assentamento basco não sofreu resistência por parte dos aquitanos romani (aquitanos romanizados) das urbes, nem pelos aquitanos das aldeias que seguiam falando Euskara. Aquitanos e vascones compartiam os mesmos inimigos comuns, francos e visigodos, que ambicionavam dominar suas terras. A única resistência ao estabelecimento dos vascones na Aquitânia, foi a cargo dos francos, dado que isto reforçava em população aos contrários a seu domínio sobre toda a Aquitânia.

Depois de 587, e do fracasso do duque Astrovaldo, que tratou de combater-los sem obter sucesso, se chegaria a um acordo para o estabelecimento pacífico dos vascones nas terras planas da Aquitânia. Os vascones pagariam os tributos mas os territórios em que habitavam se constituíram em um Ducado, onde a rigor, poderiam governar-se segundo suas próprias leis. Surgindo assim, o Euskal Herriko Dukerria ou Ducado de Baskonia (*1), um Ducado virtualmente independente, porém sob supervisão de um dux (duque), e seus colaboradores e séquito designado pela Corte Merovingia. Uma vez consolidado o estabelecimento, os vascones conservaram seus costumes e sua língua, e ao estar estabelecidos em uma zona geograficamente homogênea, constituíram um Estado dentro de outro Estado. A capital histórica da Baskonia, Pamplona, será substituída por Elusa (a atual Eauze francesa) menos exposta aos ataques invasores. Parece que durante estes anos se produziu uma intensa euskarização das camadas mais humildes da população aquitana, singularmente a menos romanizada, enquanto que os segmentos mais romanizados deram origem ao povo Gascón, de fala românica (*2). Com o passar dos séculos, enquanto o Gascón ia se expandindo naquela Euskal Herria do Norte, que se estendia até o rio Garona (zona central da atual França), o Euskara ia paulatinamente perdendo falantes.

(*1) Wasconia: o topônimo latino Vasconia nesta época é escrito normalmente como Wasconia, evoluindo posteriormente para Guasconia e depois a Gasconia. Desta última forma derivam as atuais: Gaskonia (em Euskara), Gasconha (em Gascón), Gascoigne (em Francês) e Gascuña (em castellano)

(*2) Gascón (adaptação fonética occitana do termo vascón): dialeto vasco-occitano do sudoeste da França que surgiu da romanização da população de fala basca que habitava desde épocas pre-romanas a antiga Aquitânia.

No ano 602, a expedição de Teodoberto II da Austrásia e Teodorico II da Borgonha contra os vascones resulta na imposição do franco Genial como dux (duque). No ano 626, os vascones se sublevaram contra o dux Aighina, sucessor de Genial. Com a chegada de Dagoberto I (629), a autoridade dos francos se reafirmou em todo o reino. Os vascones, depois de haver sofrido sérios reveses, resignaram a submeterem-se por algum tempo (635). Pese o desejo franco de voltar as fronteiras de Augusto e de reconstituir o Reino de Eurico, não puderam, à época da morte do "bom rei", oporem-se ao desmembramento de seu território. Com a chegada dos reis holgazanes, a carência de poder ia permitir À Baskonia retomar sua autonomia. Seus novos chefes se apoiaram na feudalidade laica e sobre tudo no episcopado.

Com o falecimento de Dagoberto I (638), a monarquia merovingia iniciará um progressivo processo de enfraquecimento, do que saberá tirar benefícios o velho particularismo aquitano, para ir consolidando paulatinamente um poder político, que logo chegará a atuar a margem do controle dos reis francos. Este processo, resultado do perfeito entendimento entre as ambições da aristocracia local aquitana e os coletivos vascones, utilizados como força militar a serviço daquelas. Será lento porém imparável. Esta aliança basco-aquitana terá como consequência que os ducados de Baskonia e Aquitânia sejam dirigidos por um único dux que unirá as forças dos aquitanos romani e dos vascones contra os francos e visigodos. Los dux que governaram Aquitânia e Baskonia foram tanto de origem basca como de origem aquitana.

O prefeito neustrio Ebroíno, com a intenção de manter sob controle os territórios meridionais do reino franco, concedeu a Félix o principatum sobre todas as cidades até os Pirineus e sobre o povo dos vascones. O que foi aproveitado por este para gerar um poder político basco-aquitano a margem dos francos. Seu sucessor, o basco Lupo [ latinização do patronímico vasco Otsoa (ochôa), "O Lobo"] ia acelerar qualitativamente este processo enfrentando abertamente os francos, e apoiando a rebelião septimana contra o monarca visigodo Wamba, aproveitando esta rebelião no noroeste do Reino Visigodo, para começar a conquistar territórios visigodos (Cantábria) ao sudoeste de Baskonia. O processo já incontrolável, se consolidará de forma ainda mais evidente com seu sucessor, Odón. Este principado basco-aquitano de Odón chegou a converter-se em um exemplo para toda a Galia e o único árbitro do conflito entre Austrasia e Neustria o que resultou no reconhecimento de sua independência e o título de regnum (reino). Odón, através do exército basco, ponta de lança do Principado vasco-aquitano, estendeu sua influência até o Loire (718). Este principado, em sua máxima expansão, se estendeu a um lado e outro dos Pirineus, desde o Loire (perto da Bretanha) até o Ebro, a oeste até a Cantábria e ao leste até Girona, abarcando portanto, grande parte do atual Estado francês.


A estrela e a Meia-Lua bascas: A estrela de oito pontas assim como a meia lua invertida representam dois dos símbolos bascos mais antigos que se conservaram até a atualidade. Ademais de estar presentes na heráldica familiar e de localidades de todo o País Basco como a estrela e a meia lua do burgo de San Cernín de Pamplona ou a Estrela Bascona do escudo de Estella (Navarra). Esta estrela também esteve presente no escudo da Navarra em sua forma inicial. O atual escudo de Navarra não é mais que uma evolução deste símbolo basco. Desde épocas pre-romanas, a meia lua e a estrela, conjuntamente, são representadas como símbolo protetor, na forma indicada na imagem, representando, segundo se crê, a conjunção da lua com o planeta Artizar (Artísar; Vênus no idioma basco), assim que, o escudo de Navarra poderia ser uma evolução da representação do planeta Vênus.

Em todas as ocasiões, os vascones parecem constituir a principal força de choque do exército basco-aquitano. Sua capacidade militar residia no uso de uma cavalaria capaz de atuar com rápidos movimentos envolventes, o que lhes concedia uma nítida superioridade sobre a infantaria merovingia. Os cronistas francos nos falam de grande número de guarnições e fortificações vasconas ao largo do Loire e no norte da França, que defendiam os territórios basco-aquitanos das incursões francas.

Por outro lado, já se desenhava já outra ameaça. A península Ibérica estava conquistada por hordas árabes em 3 quartos da sua extensão total. E os Almohávidas se preparavam para atravessar os Pirineus. Em 720 atacaram Toulouse. Odón, lutando para salvar a independência de seus domínios, obrigou sua filha a contrair matrimônio com Uthman ibn Naissa, governador do norte da Espanha. Ao mesmo tempo, Abd-el-Ramán, passou o porto de Roncesvalles para invadir o norte da Baskonia. O massacre foi terrível, e a vila de Auch foi saqueada e a de Elusa, capital de Baskonia, destruída novamente. Os árabes então marcharam até Tours, capital do ducado vasco-aquitano. Em 732, Carlos Martel, veio ao socorro de Odón, e os deteve em Poitiers e os obrigou a retornar até os portos pirenaicos. Sua intervenção lhe valeu a homenagem do duque vasco-aquitano. 



A chegada do Islã à Europa coincidirá com a gestação na antiga Gália de duas novas dinastias que se enfrentarão pela supremacia política. A de Aquitania e Baskonia com Odón, Hunaldo I, Wafarius y Hunaldo II e a dinastia Carolingia de Carlos Martel, Pipino o Breve e Carlomagno. O filho de Carlos Martel, Pipino o Breve, que em uma sistemática campanha que durou nove longos anos (760 - 768) conseguiu dobrar aos basco-aquitanos. Durante estes decênios de enfrentamento entre francos e basco-aquitanos, os bascos cumpriram um papel preponderante como aliados dos aquitanos romani, ainda que suas decisões nem sempre coincidiam.  Como nos casos em que as políticas aquitanas foram  contrárias aos interesses vascones. 



Pouco após a vitória de Pipino, filho de Carlos Martel, a Aquitânia se sublevará de novo com Hunaldo II (769). Perseguido pelo exército de Carlomagno, o rebelde aquitano buscará refúgio entre os vascones. Como seu paim Pipino, Carlomagno não ousará cruzar o Garona e, enquanto levantava a fortaleza de Franciacum ao norte deste curso fluvial, exigirá aos vascones a devolução dos rebeldes. Os vascones, em cuja cabeça vemos de novo a um Lupo qualificado nas fontes escritas como Wasconum dux e, as vezes, princeps Wasconum, entregaram a Carlomagno, Hunaldo e sua família, razão pela qual o monarca carolíngio retorna a França. 

De 769 a 781, rompida a aliança com os aquitanos romani, os vascones, de novo independentes do governo franco e sob a direção do duque Lupo, reorganizarão suas tropas para garantir a defesa dos territórios vascones.

Os domínios vascones naquela época se estendiam ao norte até o rio Garona; ao sul, até o norte da Navarra peninsular (o sul navarro estava sob domínio árabe); ao sudeste, até o vale de Arán; enquanto que no sudoeste os asturianos, herdeiros do Reino visigótico, haviam conseguido conquistar aos vascones as Encartaciones de Bizkaia até o rio Nervión e o extremo noroeste de Álava, estando a metade sul da atual Euskadi, e a maior parte de Álava, sob domínio árabe. A nova ameaça para Baskonia, sem dúvida, não afetaria desta vez o norte ou o sudoeste do Ducado, porém arrasaria completamente o sudeste.

No ano 778, o exército franco de Carlomagno, a mando do grande paladino Rolando, não pode conquistar a cidade de Zaragoza ocupada pelos árabes, e na volta arrasa Pamplona. O dia 15 de Agosto de 778, quando as tropas francas se dispunham a cruzar os Pirineus para retornar a França; as hostes vasconas organizadas para vingar a destruição de Pamplona, estavam esperando no passo de Orreaga (Roncesvalles, Navarra) para levar a cabo uma emboscada. Mediante sua cavalaria e as rochas lançadas desde os montes circundantes, até o sendeiro em que se encontrava o exército franco, acabaram com ele. A morte de Rolando nesta batalha, assim como a derrota do exército imperial carolíngio (o exército mais poderoso da Europa naquela época) nas mãos do exército basco, inspirou no ano 1090 "La Chanson de Roland" (a canção de Rolando), obra-prima  da Literatura épica francesa.




A derrota de Roncesvalles convenceu a Carlomagno da necessidade de buscar para Aquitânia e Baskonia uma articulação política que reconhecesse, uma vez mais, o seu forte particularismo. E recuperando uma velha tradição, viva entre os francos desde a época merovingia, criava um reino para seu filho Luis (Ludwig), nomeado rei em Roma em 781 com apenas três anos e apresentado ante a assembleia de Padeborn, em 785, vestido a maneira basca. Muito havia crescido o prestígio dos vascos, vencedores de Roncesvalles sete anos antes, quando o primogênito da monarquia carolíngia era apresentado assim ante a Corte. Sem dúvidas queria adular aos mais belicosos de seus súditos e preparar ao mesmo tempo a entrada de Luis em seu novo reino. Este Reino de Aquitânia, inteiramente submetido à autoridade de Carlomagno, ia do Loire ao Languedoc e tinha duas capitais: Bordeaux e Toulouse. Queria anexar portanto o Ducado da Baskonia que desde a entrega por parte do duque basco Lupo, do aquitano Hunaldo II e de sua família a Carlomagno, havia permanecido independente do poder franco. Se tornara portanto, um bastião difícil de submeter.


Como consequência das revoltas incessantes dos vascones, Carlomagno se aliou ao rei das Astúrias, com a esperança de dominar os vascones, porém o rei das Astúrias tinha outros assuntos mais urgentes e ameaçadores, os muçulmanos estabelecidos ao sul. Carlomagno havia delegado aos condes o cuidado da administração da Baskonia, como a Adalric, no Fezensac. Apesar dos esforços da igreja que pregava a integração ao Reino Franco, a revolta era permanente na Baskonia. Enquanto a Aquitânia estava integrada dentro do Reino Franco e Cataluña e o Languedoc participavam ativamente nos esforços de reconquista das terras do sul, submetidas ao Emir de Córdoba.



No ano 800, quando Carlomagno vinha justamente de ser coroado imperador, os vascones se sublevaram uma vez mais, Sancho apareceu então, enviado por Carlomagno e o Rei de Aquitânia, era o filho de Lupo, duque dos vascones falecido há trinta anos.

No ano 824, Íñigo Arista aproveitando-se da falta de controle dos francos da zona de Pamplona e em colaboração com os vascones islamizados da ribeira do Ebro, toma o controle da cidade, fundando o Señorío de Pamplona que, posteriormente, se converterá em reino e acabará englobando no século XI aos vascos de ambos os lados dos Pirineus. 

A partir do século IX, portanto, Euskal Herria (Baskonia) se dividirá em duas entidades políticas diferentes: a continental ou Baskonia do Norte (que será conhecida no futuro com o nome de Gasconha), e a Baskonia do Sul ou peninsular, representada por Pamplona. 



No que era a antiga Novempopulania, os vascones do norte estavam reagrupados entorno de Sancho, depois entorno de seu filho mais velho, Aznar. Quando este morreu, assassinado pelo rei da Aquitânia Pipino I, é o seu irmão Sancho Menditarra (montanhês) quem toma o governo da Baskonia do Norte, em 836. Sancho Menditarra havia passado sua juventude combatendo junto com os pamploneses ao emir de Córdoba na Baskonia meridional ao lado de seu pai. Suss qualidades militares, e também políticas, o fizeram sair triunfador nas lutas contra Pipino I que lhe havia declarado guerra. As tropas de Pipino I haviam sido rechaçadas na margem direita do rio Garona, na época em que morreu Pipino I (838). 68 anos depois do abuso de autoridade de Carlomagno, a Baskonia do Norte havia recuperado suas antigas fronteiras continentais. 



O rei franco Luis o Piedoso, tendo que fazer frente a numerosas dificuldades, reconheceu a Sancho Menditarra o governo da Baskonia do Norte. Com a morte de Luis, o império foi dividido entre seus três filhos, dos quais Carlos o Calvo, que recebeu a parte ocidental e principalmente o Reino da Aquitânia. Pipino II, no princípio, despojado de seu trono de Aquitânia, empreendeu a reconquista, que conduziu com sucesso graças as dificuldades que padecia Carlos (divergências com seus irmãos e as primeiras incursões normandas). Pipino II se preparava então para penetrar nas terras dos vascones nortenhos, no ano 852. Não logrou sucesso, pois foi capturado por Sancho Menditarra, quem o entregou a Carlos, o Calvo. Nesta época, começou a aparecer nos textos, de uma forma oficial, o Ducado de Baskonia (852), do qual Sancho Menditarra foi, segundo estes textos, o primeiro duque.

A partir de 840, os normandos chegaram às costas atlânticas. Em suas embarcações, subiam os rios para saquear o país (Toulouse foi saqueada e incendiada em 844). Saquearam tudo, particularmente as igrejas e monastérios e exigiram pesados impostos à população. Condom, Eauze e Lectoure foram entre suas primeiras vítimas, as mais afetadas. Neste momento (ao redor do ano 854) que a Igreja transladará sua sede de Elusa, a capital da Baskonia do Norte, para Auch, menos exposta, já que estava construída sobre um povoado fortificado muito abrupto, e do qual Sancho Menditarra havia feito sua residência ordinária, quando não combatia no outro lado dos Pirineus, ao seu inimigo de sempre, o Emir de Córdoba, e seus aliados.


Sancho Menditarra faleceu em 864. A Baskonia do Norte se havia convertido para o império em uma muralha contra os reinos árabes da península Ibérica. O Duque Arnaldo, sobrinho de Sancho Menditarra, tomou então o poder, porque o filho de Sancho Menditarra era ainda demasiado jovem. A Baskonia do Norte conheceu um estado próximo à anarquia, sobre tudo, sob o ataque e as invasões normandas que haviam recomeçado. A maioria dos bispados e dos monastérios estavam desertos, os habitantes das cidades e dos vilarejos fugiam para o campo. Os chefes locais mal asseguravam uma aparência de ordem e proteção. O sistema feudal, com seus senhores e castelos fortificados, começou a ser instaurado. De acordo com as tradições bascas, o poder regressou então ao filho de Sancho Menditarra, chamado Menditarra Sancho, que era da mesma têmpera guerreira que seu pai. Ele conseguiu manter os normandos na costa, na embocadura do Adour, durante toda a duração do seu governo (871-886).


Seu filho, Gartzia Sancho, o Curvado, lhe sucederá de 886 a 920. Ao desaparecer, a Baskonia do Norte se havia engrandecido por matrimonio com o condado de Agen. Desgraçadamente, Gartzia Sancho, antes da sua morte, decidiu dividir suas terras entre seus três filhos.


O mais velho, Sancho Gartzia, recebeu a maior parte do principado (toda a parte ocidental, de Béarn até Lomagne), que se converteu na Baskonia Maior (Grande Baskonia). O segundo, Guillermo Gartzia, recebe a parte central, com o Fezensac, entre Eauze e Auch, e por último, Arnaldo Gartzia, o Astarac, entre Fezensac e Bigorra. Esta divisão desafortunada conduziu pouco a pouco a uma fragmentação da Baskonia do Norte, e a filiação principesca rompida levou a um sistema de autoridade importado do modelo franco, ou seja, às relações de vassalagem, à feudalidade, até então desconhecidas na Baskonia.


Sancho Gartzia teve quatro filhos: Gartzia Sancho, Sancho Sancho, Guillermo Sancho e Gombaud e será Gartzia Sancho quem o sucederá, faleceu porém sem descendência e é então ao terceiro filho, Guillermo Sancho, a quem correspondeu o Principado. Guillermo Sancho partiu a combater em Navarra e delegou seu poder a seu irmão Gombaud. No século X os piratas escolheram o norte da França, de fácil acesso, para entregar-se a suas atividades devastadoras. Guillermo Sancho retornou quando os normandos se mostraram novamente ameaçadores. Decidiu então desembaraçar-se de uma vez por todas destes perigosos vizinhos e os combateu em Taller, perto de Castets, a uns 20km ao norte de Dax, em 982. Os normandos levantaram seus acampamentos e não regressaram mais à Baskonia.


O condado de Armagnac, formado em 965, foi herdado por Bernardo com a morte de Guillermo Gartzia. Enquanto Pardiac, se converteu em herança de outro Bernardo, filho de Arnaldo Gartzia, depois da morte deste último. Também chegou o dia do condado de Gaure e do viscondado de Lomagne. O Ducado da Baskonia do Norte ou Gasconha, se havia convertido já em Condado. A atomização do território gascón continuou com o passar das gerações, e chegou a tal ponto que o último conde já não possuía poder algum. Sob a dupla égide do poder eclesiástico e feudal, Gasconha prosseguiu não obstante a sua organização. Quatro bispados foram constituídos e, na véspera do ano 1000, houve mais de quatrocentas igrejas construídas. 



No ano 1023 Gasconha se encontra já sob a órbita do Reino de Pamplona-Nájera, depois do apoio dado ao conde de Gasconha em sua luta contra o Condado de Toulouse. Este apoio proporcionou ao rei de Pamplona-Nájera, Sancho o Grande, a possibilidade de organizar parte de suas terras. Desta organização surgirá o viscondado de Labort (Lapurdi). Sancho Guillermo, filho do vencedor dos normandos, Guillermo Sancho, faleceu sem sucessor em 1032, com o que o governo de Gasconha passa às mãos de seu sobrinho, Sancho o Grande de Navarra. Ao falecer este, e devido às disputas pelo poder entre seus filhos, o Reino de Pamplona-Nájera se debilitará e perderá o controle da Gasconha. 

O casamento da irmã de Sancho Guillermo, Briska, com Guillermo V, conde de Poitiers e duque de Aquitânia, foi a origem de um conflito de sucessão que durará até 1052. Um dos principais pretendentes, Bernardo I, Tumapaler, conde de Armagnac, deixou arrebatar sua herança pelo filho pequeno de Guillermo, Guido Gofredo, duque de Aquitânia, a partir de 1058.


Os duques de Poitou governaram a Gasconha durante quase um século, tentando forçar seus vassalos à obediência. Por ocasião das Cruzadas, numerosos nobres gascões intervieram na Palestina, sobre tudo com o terceiro exército do conde de Toulouse. Entre os primeiros cruzados que se cobriram de glória, figuram, ao lado do ilustre Gastón IV de Béarn, Raimundo de l'Isle-Jourdain e Astanobe, conde de Fezensac.


Grande parte dos diferentes condados e viscondados da Gasconha, se diluíram no Ducado da Aquitânia (o resto seguiu unido ou na órbita de Navarra), posteriormente, no ano 1154, este ducado passou a formar parte da coroa inglesa, fruto do matrimônio entre Enrique Plantagenet da Inglaterra e Leonor da Aquitânia. Em 1453, a Aquitânia foi incorporada definitivamente à França. 

No que diz respeito aos territórios gascones de Navarra, este reino, conservou por exemplo o Béarn até a sua desaparição como reino no século XVII, quando por um edito de união em 1620, Luis XIII, rei da Navarra e da França, une Navarra à coroa francesa.

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